A Noiva, um sonho

Texto da peça Sonhos Cor de Rosa, uma viagem de terror ao inconsciente (Colectivo A Tribo)

As imagens alternam. Ora sou uma noiva pequenina, para aí com dez anos. Morena, bochechas rosadas, uns olhos castanhos inocentes. Alegre. Em paz. De vestido branco com uns brilhinhos cor de rosa, passeio. Não há mais ninguém. Ando em ritmo rápido. Saltito. Corro. Misturo-me com as flores coloridas que existem à minha volta. Lá vou eu com o meu vestido branco rosado, como princesa sorridente a descobrir os encantos do jardim. Começo a ver pessoas desconhecidas. Assim que os convidados começam a chegar, sou outra. Uma ruiva roliça com olhos acinzentados, no rosto um sorriso com malícia. É como se algo grave estivesse para acontecer. O jardim deu lugar a um espaço sombrio em pedra e com tetos altos. Dentro do espaço, voam corvos. O preto dos pássaros contrasta com a brancura dos tetos. Pessoas desconhecidas cumprimentam-me com ar solene e eu estou no meio do espaço. Eu adulta. As pessoas fazem um círculo à minha volta. Eu fico em pé e elas sentam-se como se me venerassem.

De repente, um grupo de meninas pequeninas acende uma fogueira. Dirigem-se a mim, umas pegam-me pelas mãos enquanto outras me seguram a cauda do vestido branco. Sinto-me belíssima e assustada. O meu peito volumoso está comprimido naquele corpete. As minhas ancas largas baloiçam-se por debaixo do saiote do vestido. De resto, mais nenhum ornamento sobre a minha pela branca nem nenhuma maquilhagem sobre o meu rosto pálido. Se me pusesse a adivinhar, seria eu uma virgem a iniciar um ritual? Sentia o calor da fogueira, mas nenhum cheiro a fogo. Como se aquele fogo fosse vazio ou falso. Ou como se eu não estivesse realmente ali. Ao aproximar-me da fogueira, abrem-se umas asas nas minhas costas e sobrevoo o cenário. Vejo todas as pessoas lá em baixo e ninguém olha para mim. É como se tivesse desaparecido dali e ninguém desse por isso. Olho para todos os lados. Avisto-me a mim própria a ser guiada pelas meninas para junto da fogueira. Do lado oposto da fogueira está um homem. Não consigo distinguir as suas feições. As pessoas sentadas à volta proferem rezas que não consigo discernir.

De um momento para o outro, faz-se silêncio. Chega um ancião que também se dirige à fogueira. É um homem velho, vagaroso e determinado. Tal e qual como eu. Bom, ele é mais sábio. Há em mim, naquela que está lá em baixo, uma espécie de inocência sombria. Nesta que voa não, na noiva que voa há a sabedoria. Uma sabedoria diferente da do ancião. A sabedoria de uma criança que era. Aquela que estava lá em baixo tinha deixado de ser. Enquanto o velho ancião caminha, soam um piano e um violino. Um coro de homens e mulheres entoa cânticos agudos celestiais. Aquilo deu-me arrepios. Voei dali. O meu voo fez um barulho ensurdecedor, mesmo no meio da música. Olharam para cima e já não me viram.

Corria alegremente pelo jardim, quando uma mulher anjo apareceu. O meu coração pequenino acelerou-se muito. Eu era agora a noiva princesa de dez anos. Feliz. Apesar do coração bater freneticamente, sentia-me serena. A mulher anjo era a noiva ruiva voluptuosa. Ela também era eu. Eu sabia-o e ela também. A noiva adulta aproximou-se docemente da noiva criança, ajoelhou-se para lhe entregar uma importante mensagem: “O que tenho para te dizer, é muito importante. Vai mudar a tua vida. Precisas de o saber…”

Acordei.

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